OS CINCO REQUISITOS PARA CARACTERIZAÇÃO DO VÍNCULO EMPREGATÍCIO: GUIA COMPLETO 2025
Entenda de forma clara e fundamentada os cinco requisitos essenciais para o reconhecimento do vínculo empregatício segundo os artigos 2º e 3º da CLT. Análise atualizada com jurisprudência do TST e STF, princípios protetivos e orientações práticas para advogados trabalhistas.
Dr. Leonardo Mimoto
12/17/202511 min read
Introdução: A Importância do Reconhecimento do Vínculo Empregatício
O reconhecimento do vínculo empregatício representa uma das questões mais fundamentais do Direito do Trabalho brasileiro, pois dele decorre toda a proteção social e os direitos assegurados pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e pela Constituição Federal de 1988. A correta identificação da relação de emprego é essencial para garantir ao trabalhador o acesso a direitos como férias, 13º salário, FGTS, aviso prévio, horas extras, adicional noturno, estabilidades e demais garantias trabalhistas e previdenciárias.
A definição legal de empregado encontra-se no art. 3º da CLT, que estabelece: "Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário". Por sua vez, o art. 2º da CLT define empregador como "a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço".
Da conjugação desses dois dispositivos legais extraem-se os cinco requisitos cumulativos para caracterização do vínculo empregatício, quais sejam: (1) trabalho prestado por pessoa física; (2) pessoalidade; (3) não-eventualidade; (4) onerosidade; e (5) subordinação jurídica.
É fundamental destacar que, em conformidade com o princípio da primazia da realidade sobre a forma (art. 9º da CLT), o reconhecimento do vínculo empregatício independe da vontade das partes ou da nomenclatura atribuída ao contrato. Basta a presença dos cinco requisitos fático-jurídicos para que a relação seja considerada de natureza empregatícia, com todos os seus efeitos legais, mesmo que formalmente tenha sido pactuada outra modalidade contratual (autônomo, pessoa jurídica, cooperado, estagiário).
1. Trabalho Prestado por Pessoa Física
O primeiro requisito essencial é que o trabalho seja prestado por pessoa física (pessoa natural), e não por pessoa jurídica ou ente coletivo. O art. 3º da CLT é expresso ao definir empregado como "toda pessoa física". Esta exigência decorre da natureza personalíssima da relação de emprego e da necessidade de proteção da dignidade humana do trabalhador.
Fraude à Contratação: A Pejotização
Embora a lei exija pessoa física, muitos empregadores tentam fraudar a legislação trabalhista mediante a contratação por intermédio de pessoa jurídica, prática conhecida como pejotização. A pejotização, em seu conceito doutrinário e jurisprudencial, é inerentemente fraudulenta quando utilizada para mascarar uma verdadeira relação de emprego.
A jurisprudência trabalhista é firme ao reconhecer que, se presentes os demais requisitos do vínculo empregatício (pessoalidade, não-eventualidade, onerosidade e subordinação), o fato de o trabalhador ter sido formalmente contratado como pessoa jurídica não impede o reconhecimento da relação de emprego. Aplica-se, nestes casos, o art. 9º da CLT, que declara nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos trabalhistas.
Um julgado paradigmático do TRT ilustra essa situação: "Relação de emprego. Pejotização. Fraude à legislação trabalhista. Evidenciada nos autos, pelas provas testemunhais produzidas, a coexistência dos pressupostos fáticos dos arts. 2º e 3º da CLT, reputa-se fraudulenta a modalidade contratual de prestação de serviços que os reclamados celebraram com a reclamante, por meio de pessoa jurídica que a trabalhadora foi compelida a constituir. No direito do trabalho, incide o princípio da primazia da realidade sobre a forma, de modo que, se os atos foram praticados com o único escopo de fraudar, desvirtuar e impedir a aplicação dos preceitos da lei trabalhista, serão considerados nulos para todos os efeitos (inteligência do art. 9º da CLT)".
Microempreendedor Individual (MEI) e Microempresa
Cabe destacar que o MEI (Microempreendedor Individual) e a microempresa, apesar de possuírem CNPJ, não se qualificam como pessoas jurídicas para fins trabalhistas. Portanto, a contratação mediante MEI ou ME não afasta, por si só, a possibilidade de reconhecimento do vínculo empregatício se presentes os demais requisitos legais.
2. Pessoalidade
O segundo requisito essencial é a pessoalidade (intuitu personae), que significa que o trabalho deve ser prestado pessoalmente pelo empregado, não podendo ele se fazer substituir por outra pessoa sem o consentimento do empregador. A pessoalidade decorre do fato de que, na relação de emprego, interessa ao empregador a pessoa específica do trabalhador, suas habilidades, qualidades e características pessoais.
O art. 3º da CLT estabelece que o empregado deve prestar serviços de forma pessoal, e o parágrafo único do art. 456 da CLT reforça essa característica ao determinar que "ao empregado é vedado fazer-se substituir por outro na execução do trabalho".
A Pessoalidade na Prática
Para verificar a presença da pessoalidade, uma pergunta-chave costuma ser feita nas audiências trabalhistas: "O trabalhador poderia se fazer substituir por outra pessoa?". Se a resposta for negativa, há indício de pessoalidade. Se positiva, há elemento que pode afastar o reconhecimento do vínculo empregatício, embora isso deva ser analisado em conjunto com os demais requisitos.
É importante ressaltar que substituições esporádicas e episódicas não afastam a pessoalidade. Exemplo: um motorista que, em um único dia de doença, pede a um familiar para realizar o transporte do empregador não perde a característica de pessoalidade, pois o que importa é o contexto geral da prestação de serviços. O relevante é analisar se o contratante está interessado na atividade a ser prestada (ausência de pessoalidade) ou na pessoa que vai prestar o serviço (presença de pessoalidade).
3. Não-Eventualidade (Habitualidade ou Continuidade)
O terceiro requisito é a não-eventualidade, também denominada habitualidade ou continuidade da prestação de serviços. O art. 3º da CLT estabelece que o empregado deve prestar "serviços de natureza não eventual". Este requisito distingue o empregado do trabalhador eventual ou esporádico.
Teorias Explicativas da Não-Eventualidade
A doutrina e a jurisprudência desenvolveram diversas teorias para caracterizar a não-eventualidade:
a) Teoria da Vinculação à Atividade-Fim: Considera não eventual o trabalho vinculado aos fins normais e permanentes do empreendimento. Se o trabalhador desempenha atividades relacionadas ao objeto social da empresa, há indício de não-eventualidade. Exemplo: professor que ministra aula em instituição de ensino exerce atividade-fim, logo não-eventual.
b) Teoria do Evento: Trabalho eventual é aquele prestado em razão de um evento específico, esporádico e determinado. Exemplo: contratação de garçons extras para atender a um evento pontual em um buffet.
c) Teoria da Descontinuidade: Analisa-se sob o foco do trabalhador e sua intenção de não se vincular permanentemente àquela organização. Um professor convidado para ministrar uma única aula em um curso de pós-graduação não tem ânimo de fixação.
d) Teoria da Fixação a Uma Única Fonte de Trabalho: Embora a exclusividade não seja requisito do vínculo empregatício, a fixação do trabalhador a uma única fonte de renda pode caracterizar a não-eventualidade.
e) Duração da Prestação de Serviços: Prestação de serviços por longo período indica não-eventualidade.
É fundamental destacar que a eventualidade deve ser analisada caso a caso, considerando o contexto global da prestação de serviços, e não de forma isolada.
Trabalho Intermitente: Exceção à Regra
A Reforma Trabalhista de 2017 (Lei 13.467/2017) criou o contrato de trabalho intermitente (art. 443, §3º, e art. 452-A da CLT), no qual o empregado presta serviços de forma descontínua, alternando períodos de prestação de serviços e de inatividade. Trata-se de modalidade especial em que a eventualidade é da essência do contrato, constituindo exceção à regra geral da não-eventualidade.
4. Onerosidade
O quarto requisito essencial é a onerosidade, que consiste na contraprestação econômica pelo trabalho prestado. O art. 3º da CLT estabelece que o empregado deve prestar serviços "mediante salário". A onerosidade decorre do caráter sinalagmático do contrato de emprego: o empregado trabalha e, em contrapartida, o empregador remunera.
Aspectos Práticos da Onerosidade
A onerosidade é, geralmente, o requisito mais facilmente comprovado, pois sempre existe alguma forma de contraprestação nas relações de trabalho subordinado. Alguns pontos importantes:
a) Forma de Pagamento Irrelevante: Não importa se o pagamento é feito por hora, por dia, por semana, por quinzena, por mês, por produção ou por empreitada. O que importa é a existência de contraprestação econômica.
b) Empreitada Não Afasta Vínculo: A contratação por empreitada é apenas uma forma de pagamento, e não uma modalidade contratual que, por si só, afasta o vínculo empregatício. Se presentes os demais requisitos (pessoalidade, não-eventualidade, subordinação), haverá relação de emprego.
c) Trabalho Voluntário: No trabalho voluntário (Lei 9.608/1998), não há onerosidade, razão pela qual não se configura vínculo empregatício. A legislação permite apenas o reembolso de despesas expressamente autorizadas pela entidade, mas não contraprestação pelo trabalho.
d) Escravidão Contemporânea: Mesmo nas situações de trabalho análogo ao escravo, em que o trabalhador não recebe valores em dinheiro, existe onerosidade, pois a atividade tem intuito e valor econômico para o empregador. Nesses casos, reconhece-se o vínculo empregatício para assegurar todos os direitos trabalhistas devidos, além das consequências penais e civis da conduta.
5. Subordinação Jurídica
O quinto e principal requisito caracterizador da relação de emprego é a subordinação jurídica. A subordinação é o elemento que verdadeiramente distingue a relação de emprego das demais relações de trabalho. O art. 3º da CLT estabelece que o empregado deve prestar serviços "sob a dependência" do empregador, expressão que a doutrina interpreta como subordinação.
Conceito de Subordinação Jurídica
A subordinação jurídica consiste na submissão do empregado às ordens, diretrizes e ao poder de comando do empregador. Trata-se do poder que o empregador possui de dirigir, fiscalizar e disciplinar a prestação de serviços do empregado.
O empregador detém o poder empregatício, que se desdobra em quatro facetas:
Poder diretivo: de determinar como o trabalho deve ser executado;
Poder fiscalizatório: de controlar e fiscalizar a prestação dos serviços;
Poder regulamentar: de estabelecer regras aplicáveis à relação de trabalho;
Poder disciplinar: de aplicar sanções (advertência, suspensão, justa causa) em caso de descumprimento das obrigações contratuais.
Teorias sobre Subordinação
Diversas teorias tentam explicar a subordinação:
a) Teoria da Subordinação Econômica: Defende que a subordinação decorreria da dependência econômica do empregado em relação ao empregador. Esta teoria não prevalece, pois há situações em que o empregado possui melhor situação econômica que o empregador (exemplo: atleta profissional famoso).
b) Teoria da Subordinação Técnica: Considera subordinado aquele que não domina a técnica do trabalho e depende das ordens do empregador. Também não prevalece, pois há empregados altamente especializados (exemplo: médico) que possuem conhecimento técnico superior ao do empregador.
c) Teoria da Subordinação Jurídica: É a teoria que prevalece na doutrina e jurisprudência brasileiras. Considera subordinado o trabalhador que se submete ao poder de direção do empregador, independentemente de aspectos econômicos ou técnicos. O empregado trabalha sob as ordens e orientações do empregador, cumprindo horários, metas, obedecendo a regulamentos internos e podendo sofrer sanções disciplinares.
Elementos Indicadores da Subordinação
Na análise casuística da subordinação, alguns elementos indicadores são relevantes:
Controle de jornada/horário;
Fiscalização constante;
Imposição de metas e resultados;
Aplicação de punições;
Obrigatoriedade de uso de uniforme;
Exigência de exclusividade (embora não seja requisito, é indicador);
Impossibilidade de recusar tarefas/chamados;
Fixação de valores pelo tomador de serviços;
Controle de qualidade e avaliações periódicas.
Subordinação e Novas Tecnologias: O Trabalho Plataformizado
O avanço tecnológico trouxe novos desafios à caracterização da subordinação, especialmente no trabalho plataformizado e na economia de bicos (gig economy). Questiona-se se motoristas de aplicativos (Uber, 99) e entregadores de plataformas digitais (iFood, Rappi) são empregados ou autônomos.
Argumentos favoráveis ao vínculo:
Existe subordinação algorítmica: controle de qualidade, sistema de avaliações, possibilidade de desligamento por baixo desempenho;
O valor do serviço é fixado pela plataforma, não pelo prestador;
Há poder disciplinar da plataforma.
Argumentos contrários ao vínculo:
Não há obrigatoriedade de conexão diária;
Possibilidade de recusar chamados;
Liberdade de horários;
Eventualidade da prestação de serviços.
A jurisprudência brasileira ainda não consolidou posicionamento uniforme sobre o tema. O TST possui decisões divergentes, havendo julgados que reconhecem e outros que afastam o vínculo empregatício. Aguardam-se julgamentos paradigmáticos (E-RR-1000123-89.2017.5.02.0038 e E-RR-100353-02.2017.5.01.0066) que devem uniformizar a questão. A análise deve ser casuística, observando-se concretamente a forma como cada trabalhador desempenha suas atividades.
Princípio da Primazia da Realidade e Ônus da Prova
Primazia da Realidade
O princípio da primazia da realidade sobre a forma (art. 9º da CLT) é fundamental na análise do vínculo empregatício. Este princípio estabelece que, no Direito do Trabalho, importa mais o que efetivamente ocorre no plano fático do que aquilo que consta formalmente documentado.
Assim, ainda que as partes tenham celebrado contrato escrito qualificando a relação como autônoma, de estágio, cooperativa, pessoa jurídica ou qualquer outra modalidade, se na prática estiverem presentes os cinco requisitos do vínculo empregatício, o juiz reconhecerá a existência da relação de emprego e declarará nulas as cláusulas contrárias à legislação trabalhista.
Ônus da Prova no Reconhecimento de Vínculo
A distribuição do ônus da prova nas ações de reconhecimento de vínculo empregatício possui regras específicas:
a) Negativa Geral: Se o reclamado (suposto empregador) nega completamente a prestação de serviços ("nunca trabalhei para ele"), o ônus da prova é do trabalhador, que deve comprovar que efetivamente prestou serviços. Trata-se de postura processual arriscada para o reclamado, pois basta que o trabalhador comprove a prestação de serviços para que se presuma a existência de vínculo empregatício.
b) Reconhecimento da Prestação com Alegação de Trabalho Autônomo: Se o reclamado admite a prestação de serviços, mas alega que o trabalho foi autônomo, eventual ou em outra modalidade não empregatícia, ele cria fato impeditivo do direito do autor. Neste caso, o ônus da prova inverte-se para o reclamado, que deve demonstrar a ausência dos requisitos do vínculo empregatício, especialmente a subordinação e a não-eventualidade.
Esta distribuição do ônus probatório decorre da Súmula 212 do TST e do princípio da continuidade da relação de emprego.
Consequências do Reconhecimento do Vínculo Empregatício
Uma vez reconhecido judicialmente o vínculo empregatício, o trabalhador faz jus a todos os direitos trabalhistas e previdenciários do período, incluindo:
Anotação da CTPS;
Recolhimento do FGTS com multa de 40%;
Férias acrescidas de 1/3 constitucional;
13º salário;
Aviso prévio;
Horas extras e adicionais (noturno, insalubridade, periculosidade);
Intervalo intrajornada;
Descanso semanal remunerado;
Contribuições previdenciárias;
Aplicação de normas coletivas da categoria;
Estabilidades legais (gestante, acidentário, etc.);
Seguro-desemprego (se preenchidos os requisitos).
Além disso, constatada a fraude, o empregador pode sofrer:
Autuação pela fiscalização do trabalho;
Multas administrativas;
Ação civil pública do Ministério Público do Trabalho;
Responsabilização criminal (art. 203 do Código Penal - frustração de direito assegurado por lei trabalhista).
Conclusão: A Indispensabilidade dos Cinco Requisitos Cumulativos
O reconhecimento do vínculo empregatício pressupõe a presença simultânea e cumulativa dos cinco requisitos analisados: (1) trabalho por pessoa física; (2) pessoalidade; (3) não-eventualidade; (4) onerosidade; e (5) subordinação jurídica. A ausência de qualquer um desses elementos descaracteriza a relação de emprego, ainda que presentes os demais.
O princípio da primazia da realidade garante que a análise seja pautada pelos fatos concretos, e não por rótulos contratuais. A proteção do trabalhador hipossuficiente exige do operador do direito especial atenção às fraudes perpetradas mediante pejotização, cooperativas fraudulentas, contratos de estágio irregulares e demais artifícios utilizados para mascarar verdadeiras relações de emprego.
A Justiça do Trabalho, como guardiã dos direitos sociais fundamentais, deve sempre adotar perspectiva protetiva e prioritária em favor do trabalhador, aplicando rigorosamente a legislação vigente (CLT atualizada), a Constituição Federal de 1988 e a jurisprudência consolidada do TST, STJ e STF.
Referências Legais Fundamentais:
Constituição Federal de 1988, art. 7º
CLT, arts. 2º e 3º (redação atualizada)
CLT, art. 9º (princípio da primazia da realidade)
Súmula 212 do TST (ônus da prova)
Lei 9.608/1998 (trabalho voluntário)
Lei 11.788/2008 (estágio)