Identifique Pejotização Fraudulenta e Seus Direitos

Descubra como identificar se você é vítima de pejotização fraudulenta. Entenda a diferença entre terceirização lícita e fraude trabalhista, conheça seus direitos garantidos pela CLT e aprenda estratégias jurídicas para combater essa prática que retira direitos fundamentais dos trabalhadores.

Dr. Leonardo Mimoto

12/17/20258 min read

Introdução: O Cenário da Pejotização em 2025

A prática de contratar trabalhadores como pessoas jurídicas (PJ) ganhou força no Brasil especialmente após a Reforma Trabalhista de 2017. Em 2025, o debate sobre os limites dessa modalidade chegou ao Supremo Tribunal Federal, que realizou audiência pública sobre o Tema 1389 de repercussão geral, envolvendo a interpretação dos limites legais da pejotização.​

O problema central reside na distinção entre terceirização lícita e pejotização fraudulenta. Enquanto a primeira representa legítima divisão do trabalho entre pessoas jurídicas, a segunda constitui fraude destinada a mascarar relação de emprego e suprimir direitos trabalhistas fundamentais.​

Conceito Jurídico de Pejotização e sua Distinção da Terceirização Lícita

O que é Pejotização Fraudulenta?

Pejotização é a contratação fraudulenta de trabalhadores por meio de pessoa jurídica com o objetivo específico de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação da legislação trabalhista (art. 9º, CLT). Trata-se de prática inerentemente ilícita, pois visa encobrir verdadeira relação de emprego sob aparência de contrato civil ou comercial.​​

Importante: Pejotização, por definição doutrinária e jurisprudencial consolidada, é fraude. A empresa pode legitimamente contratar pessoa jurídica para prestação de serviços específicos (terceirização), mas não pode substituir empregados por pessoas jurídicas mantendo os elementos fático-jurídicos da relação de emprego.​

Diferença Fundamental

  • Terceirização Lícita: Contratação de empresa para prestação de serviços específicos, sem os requisitos da relação de emprego. Exemplo: "Contrata-se empresa para prestação de serviços na área de análise de compliance".​

  • Pejotização Fraudulenta: Imposição ao trabalhador de constituir pessoa jurídica para exercer função que caracteriza relação de emprego. Exemplo: "Contrata-se analista de compliance. Modalidade PJ".​

Fundamentos Legais e Constitucionais

Dispositivos da CLT

Art. 3º da CLT: Define empregado como "toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário".​​

Art. 9º da CLT: "Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação".​​

Art. 442-B da CLT (incluído pela Reforma de 2017): Estabelece que "a contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado". Porém, a Portaria MTP nº 671/2021, art. 28, ressalva: "Presente a subordinação jurídica, será reconhecido o vínculo empregatício, ainda que o trabalhador preste serviços por meio de pessoa jurídica".​

Princípios Constitucionais e Trabalhistas

  1. Princípio da Primazia da Realidade sobre a Forma (art. 9º, CLT): Os fatos concretos prevalecem sobre a formalização documental.​​

  2. Princípio Protetor: Fundamento do Direito do Trabalho que reconhece a vulnerabilidade estrutural do trabalhador e impõe interpretação favorável ao obreiro.​

  3. Dignidade da Pessoa Humana (art. 1º, III, CF/88): Veda contratações que precarizem direitos fundamentais do trabalhador.​

Os Cinco Elementos da Relação de Emprego: Como Identificar a Fraude

Para caracterizar o vínculo empregatício (e, portanto, a fraude na pejotização), devem estar presentes cumulativamente os cinco requisitos dos arts. 2º e 3º da CLT:​​

1. Trabalho por Pessoa Física

O serviço deve ser prestado por pessoa natural. A intermediação por pessoa jurídica (MEI, EIRELI, LTDA) não afasta o vínculo se configurada fraude, pois MEI e ME não se qualificam tecnicamente como pessoas jurídicas para fins trabalhistas.​

Indício de Fraude: A empresa exige constituição de PJ como requisito para contratação. "Só contrato você se for PJ".​

2. Pessoalidade (Intuitu Personae)

O que interessa ao contratante é quem prestará o serviço, não apenas o resultado. O trabalhador não pode se fazer substituir habitualmente por terceiro.​

Pergunta-Chave na Instrução Processual: "O trabalhador poderia enviar outra pessoa no lugar dele?" Se a resposta for negativa, há pessoalidade.​

3. Não-Eventualidade

O trabalho é habitual, repetitivo, com previsibilidade de continuidade. Não se confunde com continuidade (trabalho diário), pois basta vinculação à atividade-fim do tomador com previsão de repetição.​​

Teoria da Subordinação Estrutural: Mesmo sem ordens diretas constantes, se o trabalhador está inserido na dinâmica empresarial executando atividades essenciais ao negócio, caracteriza-se a não-eventualidade.​

4. Onerosidade

Existe contraprestação pecuniária pela prestação do serviço. A forma de pagamento (por hora, produção, tarefa, mensal) é irrelevante.​​

Cuidado: Pagamento fixo mensal disfarçado de "faturamento PJ" é forte indício de fraude.​

5. Subordinação Jurídica (Elemento-Chave)

Este é o elemento mais importante para caracterizar o vínculo empregatício. Consiste na submissão do trabalhador ao poder diretivo, fiscalizatório, regulamentar e disciplinar do empregador.​​

Subordinação Contemporânea: A Lei nº 12.551/2011 incluiu o parágrafo único no art. 3º da CLT: "Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos". Portanto, controle por software, aplicativos, reuniões online obrigatórias e metas impostas caracterizam subordinação.​​

Indicadores de Subordinação em Contratos PJ Fraudulentos:

  • Cumprimento de horário fixo​​

  • Controle de jornada (ponto eletrônico, registro de entrada/saída)​​

  • Ordens diretas sobre como, quando e onde executar o trabalho​

  • Impossibilidade de recusar tarefas​​

  • Participação obrigatória em reuniões​

  • Uso exclusivo de equipamentos e instalações do contratante​

  • Aplicação de penalidades (advertências, suspensões)​

  • Exigência de exclusividade (embora não seja requisito essencial, reforça subordinação)​

Jurisprudência Consolidada: TST, STJ e STF

Súmulas e Orientações Jurisprudenciais do TST

Súmula 212 do TST: "O ônus de provar o término do contrato de trabalho, quando negados a prestação do serviço e o despedimento, é do empregador, pois o princípio da continuidade da relação de emprego constitui presunção favorável ao empregado".​

Súmula 330 do TST: Quitação passada com assistência sindical tem eficácia liberatória apenas quanto às parcelas expressamente consignadas no recibo.​

Acórdãos Paradigmáticos

TRT-3 (MG) - Processo 0010389-76.2016.5.03.0001:​

"Evidenciada nos autos, pelas provas testemunhais produzidas, a coexistência dos pressupostos fáticos dos artigos 2º e 3º da CLT, reputa-se fraudulenta a modalidade contratual de prestação de serviços que os reclamados celebraram com a reclamante, por meio de pessoa jurídica que a trabalhadora foi compelida a constituir. No direito do trabalho, incide o princípio da primazia da realidade sobre a forma, de modo que, se os atos foram praticados com o único escopo de fraudar, desvirtuar e impedir a aplicação dos preceitos da lei trabalhista, serão considerados nulos para todos os efeitos (inteligência do art. 9º da CLT)."

STF - Tema 725 (Terceirização Lícita)

"É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante".​

Importante: O STF tem entendido que, para trabalhadores hipersuficientes (diploma superior + remuneração acima de 2x teto RGPS), pode haver maior flexibilização, desde que não haja subordinação jurídica. Contudo, presente a subordinação, mesmo trabalhador hipersuficiente tem direito ao reconhecimento do vínculo.​​

Tema 1389 STF (Repercussão Geral - 2025)

Em outubro de 2025, o STF realizou audiência pública para debater os limites da pejotização. O ministro Gilmar Mendes suspendeu processos sobre o tema aguardando definição da tese. A tendência é estabelecer critérios objetivos para distinguir terceirização lícita de pejotização fraudulenta, com ênfase na proteção social e previdenciária.​

Sinais de Alerta: Como Identificar a Fraude na Prática

Na Contratação

✅ Anúncio de vaga especificando "pessoa" + "modalidade PJ" (ex: "Contrata-se Analista Financeiro - PJ")​

✅ Empresa exige abertura de CNPJ como condição sine qua non para admissão​

✅ Processo seletivo idêntico ao de empregado CLT (testes, dinâmicas, entrevistas com RH)​

✅ "Conversão" de empregados CLT em PJ mediante rescisão e recontratação imediata mantendo mesmas funções​

Durante a Prestação de Serviços

✅ Cumprimento de jornada fixa com controle de presença​​

✅ Subordinação hierárquica a supervisor/gerente​​

✅ Uso de e-mail corporativo, crachá, uniforme​

✅ Participação em treinamentos internos obrigatórios​​

✅ Impossibilidade de recusar tarefas ou definir metodologia de trabalho​​

✅ Pagamento fixo mensal, sem variação por projetos/produtividade​

✅ Proibição de prestar serviços a concorrentes ou outros tomadores​

Administrativo/Documental

✅ Nota fiscal com descrição genérica de "prestação de serviços"​

✅ Ausência de contrato de prestação de serviços detalhando objeto, prazo, forma de execução​

✅ Retenção de IR como se fosse empregado (mesmo tratamento tributário)​

Estratégias Processuais para Advogados: Como Comprovar a Fraude

Ônus da Prova

Regra Geral: Cabe ao trabalhador (reclamante) provar os elementos da relação de emprego.​

Inversão do Ônus (Jurisprudência Consolidada): Se o reclamante comprova a prestação de serviços e o reclamado alega que era autônomo/PJ, o ônus de provar a autonomia e ausência de subordinação passa ao empregador (fato impeditivo do direito - art. 373, II, CPC).​

Meios de Prova

  1. Prova Testemunhal: Fundamental para demonstrar subordinação, controle de jornada, pessoalidade.​

  2. Prova Documental:

    • Prints de conversas (WhatsApp, e-mail corporativo) com ordens diretas​

    • Contratos de prestação de serviços PJ

    • Notas fiscais

    • Comprovantes de pagamento fixo mensal

    • Anúncios de vaga​

    • Organograma da empresa (demonstrando inserção do trabalhador)​

  3. Provas Digitais: Registros de conexão, geolocalização, acesso a sistemas corporativos (NR-17, LGPD).​

Pedidos Estratégicos na Petição Inicial

  • Reconhecimento do vínculo empregatício desde a admissão

  • Anotação da CTPS

  • Integralização de FGTS + multa de 40%​

  • Contribuições previdenciárias (expedição de ofício à Receita Federal)

  • Diferenças de férias + 1/3

  • 13º salário proporcional

  • Horas extras (se houver sobrejornada comprovada)

  • Indenização por danos morais (pela fraude e supressão de direitos)

  • Multa do art. 477, §8º, CLT (se aplicável)

Tutela de Urgência

Em casos de pejotização com ameaça ao sustento (ex: rescisão iminente sem verbas rescisórias), é cabível tutela de urgência para depósito das verbas ou anotação provisória da CTPS.​

Orientações Práticas para Trabalhadores

Antes de Aceitar Contrato PJ

Pergunte-se:

  • Serei obrigado a cumprir horário fixo?

  • Terei liberdade para recusar tarefas ou definir como trabalhar?

  • Poderei prestar serviços a outros clientes simultaneamente?

  • O contratante fornecerá equipamentos/local de trabalho exclusivo?

Se as respostas indicarem subordinação, trata-se de relação de emprego disfarçada.

Durante o Contrato PJ Suspeito

✍️ Documente tudo:

  • Guarde prints de conversas com ordens diretas

  • Registre horários de trabalho (planilha, agenda)

  • Anote testemunhas (colegas que presenciem a subordinação)

  • Salve e-mails corporativos

  • Tire fotos/vídeos do ambiente de trabalho (se possível)

Prazo Prescricional

Atenção: O prazo para ajuizar ação é de até 2 anos após o término do contrato, buscando direitos dos últimos 5 anos (art. 7º, XXIX, CF/88).​

Busque Orientação Jurídica Especializada

Advogado trabalhista experiente pode analisar o caso concreto e avaliar a viabilidade de reconhecimento do vínculo.

Consequências para a Empresa que Pratica Pejotização Fraudulenta

Trabalhistas

  • Reconhecimento judicial do vínculo empregatício

  • Pagamento de todas as verbas trabalhistas suprimidas (férias, 13º, FGTS, etc.)

  • Multas (art. 477 CLT, multa do art. 467 CLT por mora salarial)

  • Responsabilidade solidária ou subsidiária de sócios/administradores em caso de fraude comprovada​

Previdenciárias e Tributárias

  • Cobrança retroativa de contribuições previdenciárias patronais e do empregado

  • Multas por ausência de recolhimento previdenciário

  • Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) devido​

Administrativas

  • Autuação pela fiscalização do Ministério do Trabalho e Previdência​

  • Inclusão em cadastros de restrição (ex: impedimento de participar de licitações)​

Reputacionais

  • Dano à imagem empresarial (ESG, compliance trabalhista)

  • Exposição pública em ações civis públicas do MPT

Recomendações Finais para Proteção do Trabalhador

Para Trabalhadores:

  • Jamais aceite ser "convencido" a abrir PJ se os elementos do vínculo empregatício estiverem presentes.

  • Se já está contratado como PJ fraudulento, documente tudo e busque advogado especializado.

  • Conhecimento é poder: informe-se sobre seus direitos (CLT, CF/88, Súmulas TST).

Para Advogados:

  • Invista na instrução probatória (testemunhas, documentos, perícia se necessário).

  • Fundamente pedidos no princípio da primazia da realidade e no art. 9º da CLT.

  • Acompanhe a evolução do Tema 1389 STF para adaptar teses defensivas.

Para Empresas de Boa-Fé:

  • Se deseja terceirizar legitimamente, contrate empresas especializadas, não pessoas físicas disfarçadas de PJ.

  • Evite controle de jornada, ordens diretas e subordinação sobre prestadores PJ.

  • Documente autonomia, pluralidade de clientes do prestador e ausência de pessoalidade.

Conclusão: A Luta pela Dignidade no Trabalho Continua

A pejotização fraudulenta representa ataque frontal aos direitos sociais conquistados historicamente pela classe trabalhadora. Em 2025, diante do avanço dessa prática e das discussões no STF, é essencial que trabalhadores, advogados e sociedade civil permaneçam vigilantes e combativos na defesa da CLT e dos princípios constitucionais que protegem a dignidade humana no trabalho.​

A fraude deve ser denunciada, combatida e punida. O Direito do Trabalho existe para proteger quem trabalha, não para chancelar artifícios que precarizem a vida do obreiro.

🔹 Se você foi vítima de pejotização fraudulenta, procure um advogado trabalhista especializado. Seus direitos podem ser reconhecidos judicialmente.